O meu alfarrabista e a loucura do mundo
Por Alexandre Honrado
A loucura é uma coisa triste, por vezes confundida com criatividade, ou melhor, com a criação artística, pois é uma manifestação do irracional capaz deste ou daquele momento impulsivo. É triste, é destruturação e não imaginação, mesmo que seja fértil.
Não é a loucura de Rimbaud, estado de transe, nem a que nos move em certos momentos inexplicáveis ou aparentemente inexplicados. É um sintoma, uma doença, uma persistência de sintomas, um triunfo do irracional, a doença das doenças.
É loucura ignorar os outros. Desdenhar o que não se domina. Sair para a rua aos magotes e impor aos outros a nossa negligência.
Loucura é governar um povo, massacrando-o. É ser um assassino, porque o cérebro saudável não se alimenta de cadáveres.
Peço então licença para discorrer sobre o que me afasta da loucura.
Sempre gostei de alfarrabistas. Sou amigo pessoal de alfarrabistas. Tenho até a ilusão de que este ou aquele são “o meu” alfarrabista. Trazem-me livros a casa, às vezes cinquenta ou mais, escolha os que quiser e depois faremos contas. Às vezes oferecem-me livros.
A conexão aqui da prosa co que iniciei este pensamento e o que lhe sucederá, é mais simples do que parece. Um dos “meus” alfarrabistas, que se apresenta sempre como almocreve, fez-me chegar dois livros há poucas horas. Sabendo do que gosto, traz-me sempre o que mais me encanta.
Estava eu a pensar na loucura do mundo, nesses sintomas patológicos como o racismo e o fascismo, nessas atitudes da polícia norte-americana e no débil mental que governa os EUA, que aliás já foram uma superpotência e mereceram o aplauso dos que exaltam a liberdade, estava eu a pensar em pensadores – ainda há dias uma pessoa que estimo, mas que sendo de direita tem uma cultura espontânea de discriminação e de agressão e usa um patético desdém muito cavado, resolveu insultar um pensador de primeira linha mundial, referindo-se não a ele nem ao seu legado exemplar, mas à sua orientação sexual, como se isso tivesse alguma relação com a excelência do pensamento que sempre produziu – , estava eu a pensar por isso mesmo em discriminadores, gente menor e ácida, em assassinos ou cúmplices de assassinos, quando me chegam esses livros. Em boa hora, cortando o azudeme que me percorria. Um deles, dos dois livros, que afirma sem delongas: o sonho americano desvaneceu-se. O outro, uma poderosíssima reflexão em torno das mais recentes transformações ocorridas à escala mundial, discorrendo sobre alguns conceitos fundamentais das ciências humanas, para as quais o autor em causa contribuiu de modo exemplar.
Revelarei um dia destes os títulos e os autores, porque antes me apetece lê-los com avidez. A leitura é das poucas coisas capazes de me salvaguardar e capacitar para o esforço extremo de enfrentar a loucura do mundo, essa coisa triste que me põe a empilhar palavras como estas, afinal uma “alucinação das palavras” escritas à beira do “desregramento de todos os sentidos”, expressões (também) de Rimbaud com as quais concluo a prosa – mas apenas para ficar mais coerente e quem sabe um pouco são?
Pode ler (aqui) todos os artigos de Alexandre Honrado